Projeto pretende proibir arquitetura hostil nos espaços públicos

Objetivo é evitar que estruturas sejam utilizadas para afastar pessoas em situação de rua de uma propriedade ou espaço

Um projeto de lei, aprovado pelo Senado e em tramitação na Câmara dos Deputado, pretende mudar o Estatuto da Cidade para proibir o uso de técnicas chamadas de “arquitetura hostil” em espaços de uso público. “Não bastassem a invisibilidade e as mazelas sofridas pelas pessoas em situação de rua, que hoje totalizam cerca de 222 mil indivíduos no Brasil (Ipea 2000), o Estado, sob pressão do capital financeiro, tenta removê-los até mesmo de um lugar em que se abrigam da chuva — disse o autor da proposta, senador Fabiano Contarato (Rede-ES).

Conhecida como aporofobia, ou seja, aversão às pessoas pobres, principalmente aquelas em situação de rua, esse é o verdadeiro termo que se dá a essas estruturas arquitetônicas, cujos defensores chamam de arquitetura defensiva. Porém, isso nada mais é do que uma técnica de construção feita para afastar parte da população, principalmente as que estão em situação de rua, dos espaços livres de uso público. Ninguém pode sentar para descansar, esperar uma chuva passar, ou, simplesmente, para quem precisa, passar a noite de modo mais ‘cômodo’, mesmo que sentado. “Melhor que sentar no chão molhado, quando chove, ou lavam a calçada”, explicou o senhor João, morador de rua.

Exemplos locais

A reportagem do Extra esteve em vários pontos da cidade e pôde constatar a prática da arquitetura hostil. São residências, edifícios, prédios comerciais, entre outros. O maior problema está em determinados locais onde existe a presença de estruturas metálicas que impedem quem precisar, ou quiser, parar para descansar. Não tem como sentar, simples assim. E por quê? Ao conversar com nossa reportagem, as respostas dos responsáveis ou proprietários são, quase sempre, as mesmas: “é para nossa proteção”, “proteção do patrimônio”, “afasta a clientela”, e por aí vai.

Até quem deveria dar o exemplo de rejeição à chamada ‘arquitetura hostil’, no caso a prefeitura de Guarapuava, não trabalha para combatê-la e, mesmo sem saber, até contribui para sua disseminação. São os casos de alguns pontos de ônibus, espalhados por vários cantos, onde não se pode, sequer, sentar, muito menos deitar para passar, por exemplo, uma noite de frio ou chuva um pouco mais ‘protegido’, no tocante a população em situação de rua.

Alguns pontos de ônibus da cidade são ‘exemplos’ de ‘arquitetura hostil’, por não permitirem que alguém possa sentar ou se deitar (Foto: Luca Soares)

Procurada por nossa reportagem, a prefeitura de Guarapuava disse que os pontos foram instalados na administração passada e que foram feitos como forma de modernizar a cidade, e não foram pensado na questão dos moradores [de rua] porque, segundo a prefeitura, o ponto de ônibus é ponto de espera para as pessoas que utilizam o transporte público. Os pontos de ônibus, ainda segundo a prefeitura, não são pontos que as pessoas possam utilizar para dormir. Para isso, acrescenta, existe o albergue, para pessoas em situação de rua, e a Assistência Social, que essas pessoas podem procurar.

O artigo 182 da Constituição Brasileira é claro quando determina que as políticas de desenvolvimento urbano devem ser executadas pelo poder público municipal a partir das diretrizes gerais fixadas em lei pela União. Ou seja, cabe à prefeitura municipal o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade que garanta o bem-estar dos seus habitantes.

Sobre algum projeto para combater a arquitetura hostil, a prefeitura disse que ainda não tem nada a esse respeito e não tem previsão para o desenvolvimento. Ela disse que vais depender da aprovação do projeto na Câmara dos Deputados, mas que não tem temos nada relacionado a isso, por enquanto.

É claro que ninguém defende a fixação de moradores de rua nesses espaços, porém o impedimento à sua circulação, a uma parada para o descanso, por meio da arquitetura hostil, não é uma solução para o problema social. É um agravamento. Vale ressaltar que o desenvolvimento urbano está diretamente ligado à redução da marginalização. Por isso, qualquer ação no sentido contrário deve ser repudiada pelo Estado. A raiz do problema está na pobreza, na marginalização e na falta de moradia digna. Tirar pessoas vulneráveis do alcance da vista não resolve tais problemas. Pelo contrário, aprofunda ainda mais a desigualdade urbana.

Nas próximas edições, vamos ouvir entidades e o legislativo da cidade sobre o problema.