OSTRA FELIZ NÃO FAZ PÉROLA

 Esse é o título de um livro do Rubem Alves que eu tive o privilégio de ler anos atrás, e que me fez começar a enxergar o sofrimento, as pessoas e a minha vida de uma forma diferente. A ostra feliz, que não sofre a dor da invasão de um grão de areia em seu corpo, não faz pérola. Só faz pérola a ostra que sofre o desconforto, a irritação e a dor da invasão de um corpo estranho em seu próprio corpo. E é justamente aquele pequenino grão de areia, tão dolorido para a ostra, que desenvolve o processo de calcificação em volta de si e nos presenteia com essa maravilha da natureza, que é a pérola. Assim somos nós. Ou melhor, é assim que hoje eu vejo também a nós, pessoas, seres humanos. Muitas vezes precisamos da dor de um corpo estranho, uma situação dolorosa, para produzirmos nossas pérolas. Por isso hoje eu compreendo o fato de que as pessoas mais interessantes que eu conheci ao longo da vida realmente não são, ou não foram, as que tiveram vidas perfeitas, as que não caíram, as que não se machucaram, as que não sofreram, as que não tiveram perdas, ou que foram felizes o tempo todo. Não, pelo contrário. Olho para trás e vejo que as pessoas mais interessantes que eu conheci na vida são justamente as que tiveram grãos de areia penetrados em seus corpos.

     Tiveram conflitos, tiveram dores, caíram, foram machucadas por situações da vida. cometeram erros, e foram agentes passivos de erros alheios, mas usaram justamente essas dores para se transformarem, para se depurarem, para se decantarem. Usaram essas dores para se aprofundarem no que realmente interessa – sua essência – e para se descascarem do que não é essencial. E com isso produziram pérolas, pérolas que enfeitam e iluminam a vida de outras pessoas, como bem o fez Rubem Alves. Sejamos como ele, sejamos como as ostras. Aproveitemos as situações adversas, que nos causam desconforto, que nos causam dores, para produzirmos as mais lindas pérolas, que irão embelezar e iluminar a vida de quem está a nossa volta.