Saneamento básico: a lição que a Região Sul não pode ignorar  

As cenas que emergiram do Rio Grande do Sul durante as enchentes históricas dos últimos anos revelaram mais do que a força das águas. Mostraram a fragilidade de um sistema de saneamento que, mesmo em uma das regiões mais desenvolvidas do país, ainda enfrenta importantes desafios. Na Região Sul do país, 87,6% da população conta com atendimento de água, mas apenas 51,5% possuem coleta de esgoto e, do volume de esgoto gerado, 44,7% é tratado, o que significa que no Sul são desejadas cerca de 946 piscinas olímpicas de esgoto sem tratamento diariamente na natureza.

Nas cidades atingidas pelas enchentes, baixos índices de acesso ao serviço de saneamento se transformaram em vidas perdidas e sofrimento. Em Porto Alegre, a mistura de água da chuva e dejetos humanos gerou um caldo de contaminação que invadiu ruas, elevando casos de doenças como a leptospirose. Dois meses após as cheias, foram registrados 546 casos de leptospirose e 25 mortes no estado. Enchentes também atingiram Santa Catarina e Paraná no começo do ano, deixando um rastro de feridos e desabrigados.

A precariedade do saneamento compromete a saúde pública e o meio ambiente. Sem tratamento, o esgoto contamina fontes de água, dissemina doenças, degrada habitats aquáticos e reduz a biodiversidade. O acúmulo de resíduos provoca eutrofização, desequilíbrio que causa crescimento descontrolado de algas, afetando ecossistemas e atividades econômicas como pesca e turismo.

Apenas em 2024, a Região Sul registrou 54,8 mil internações por Doenças Relacionadas ao Saneamento Ambiental Inadequado (DRSAI), como diarreias, dengue e esquistossomose. Ao mesmo tempo, a universalização do acesso às redes de água e esgoto tem potencial de reduzir em 69,1% essas internações num horizonte de 36 meses. Esse cenário, que escancara desigualdades, sobrecarrega o SUS com custos evitáveis e evidencia que o saneamento vai além de infraestrutura: é um imperativo de saúde pública e justiça social.

É, também, investimento em qualidade de vida e desenvolvimento. Segundo estudos do Trata Brasil, a universalização do saneamento no Rio Grande do Sul pode gerar R$ 34,3 bilhões em benefícios socioeconômicos líquidos. Esses benefícios também são vistos no Paraná, com retorno estimado de R$ 47 bilhões líquidos e Santa Catarina, com R$ 32,5 bilhões líquidos. Somados, os R$ 113,8 bilhões líquidos representam quase metade do orçamento previsto para 2025 pela União com a saúde pública, de R$ 245 bilhões.

O estado do Paraná tem destaques positivos em seus municípios. Nas duas últimas edições do Ranking do Saneamento, com o foco nos 100 municípios mais populosos do Brasil, de sete cidades presentes no ranqueamento do estado, três ficaram entre as 10 primeiras, com Maringá ocupando a primeira posição de 2024.

Os números mostram que a escolha não é entre investir ou não, mas entre avançar ou seguir pagando o alto preço do atraso. O saneamento básico é mais do que uma questão de infraestrutura, é uma decisão política que reflete compromisso com a dignidade humana, a preservação ambiental e a justiça social. A universalização do acesso à água potável e ao esgoto é uma medida essencial para romper com ciclos viciosos de pobreza e desigualdade, oferecendo melhores condições de saúde, oportunidades econômicas e um ambiente mais equilibrado para as futuras gerações. Sem essa prioridade, continuaremos presos a um modelo que penaliza os mais vulneráveis, ignora os impactos ambientais e sustenta um sistema de custos evitáveis para o Estado. Investir em saneamento é investir em prosperidade coletiva, pavimentando o caminho para um Brasil mais saudável, sustentável e justo.

Luana Siewert Pretto é Engenheira Civil (UFSC), com mestrado na área de Análise Multicritério (UFSC) e pós-graduada em Gestão de Projetos (FGV). Atuou na concessionária estadual de saneamento básico de Santa Catarina (CASAN) e como presidente da Empresa Pública municipal de saneamento básico Companhia Águas de Joinville. Atualmente, é Presidente-Executiva do Instituto Trata Brasil.

 

Deixe um comentário