Diante das faces de Jano

Quando nos aproximamos do final de um ciclo, é natural que germine em nosso íntimo uma certa inclinação para a reflexão, que nos convida a meditarmos um cadinho a respeito de tudo o que foi vivenciado por nós.

Meditativos, em meio a regozijos e arrependimentos, voltamos nossos olhos para trás e revivemos em nosso coração nossas alegrias e tristezas, os desafios que encaramos e superamos e, bem como, os obstáculos que enfrentamos e que nos deixaram em vários pedaços.

Lembramos dos males que fizemos, das feridas que nos foram causadas, e isso tudo, inevitavelmente, nos leva a ponderar sobre o sentido da vida e a respeito da natureza da justiça. Aí, meu amigo, quando entramos nesta sintonia, a porca torce o rabo, e torce bonito, porque nossa noção sobre a virtude da justiça é torta e nosso entendimento sobre o sentido da vida é estreito.

Por conta disso, o jardim de nosso coração, ao final de um ano, encontra-se tomado de inúmeras ervas daninhas, como a buva do arrependimento, a guanxuma do rancor, o cururu da mágoa e a tiririca do remorso. E com o coração assim, tomado por essas ervas, o senso de justiça torna-se uma impossibilidade.

Diante desse quadro, penso que seja salutar lembrarmos as palavras que foram registradas pelo escritor italiano Giovanni Papini em seu Diário, no dia 17 de junho de 1945, onde ele diz: “livre-se da tristeza, da tragicidade — dos rodeios dos pensamentos engenhosos. Alcançar o que é puro, essencial, com o frescor e a galhardia de um jovem de boa fé”.

Palavras simples e diretas, porque simples é a arte de viver, mas nós, por inúmeras razões, complicamos o nosso viver com mil e uma indiretas que não levam a lugar nenhum, mas, mesmo assim, insistimos em continuar com nossas maquinações porque consideramos nossas ideias muitíssimo engenhosas, porque acreditamos que nossas interpretações sobre tudo e a respeito de todos são muito sofisticadas e, seguindo por esses caminhos, terminamos nos fechando em nós mesmos e, desta maneira, acabamos por sufocar a semente do perdão que, no fundo, é a única coisa que realmente importa.

Sim, eu sei, todo mundo sabe, e todos nós ignoramos, que o perdão é uma flor frágil e de difícil cultivo, mas se não somos capazes de, intrepidamente, dar o primeiro passo, continuaremos agrilhoados em uma ciranda infernal que apresenta uma justificativa razoável para todos os nossos disparates, ao mesmo tempo que oculta de nossas vistas o vislumbre de uma vida simplesmente vivida de forma verdadeira.

Dartagnan da Silva Zanela, professor, escrevinhador e bebedor de café. Autor de “A QUADRATURA DO CÍRCULO VICIOSO”, entre outros livros.

 

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