GATO POR LEBRE

Seguindo uma tendência moderna vou usar um depoimento oral para desenvolver esta narrativa, técnica que vem sendo bastante utilizada para conhecer ainda que parcialmente determinados processos sociais na ótica daquele que rememora. Este episódio transcrito aconteceu no início do século XX sem uma data proximal, mas a cidade em foco é Guarapuava. O depoimento vem de um amigo sexagenário que escutava as prosas da sua saudosa mãe. Nos primórdios do século passado foi construído um prédio magnifico e entregue à nata da sociedade guarapuavana tornando-se um teatro que se chamou Santo Antônio. Após sua inauguração, periodicamente desfilava monumentais shows com peças de teatro e orquestras famosas. Do nosso passado poucos sabem, porque documentos, arquivos de jornal eram tendenciosos só enfocando coisas que lhes interessavam para aquele momento. As lembranças da passagem de Juca Tigre e o Baile das Feias foram poucas das narrativas a se firmarem no contexto da nossa história. Nosso narrador comenta que a alta sociedade vivia num momento de adquirir conhecimento em arte e cultura e o Teatro Santo Antônio oportunizava esta situação. Diz ele que apareceu na cidade um rapaz bem apessoado, com sotaque diferente, por isso foi chamado de Turco. Chegou com uma mala. Nela continha um cartaz que ele adorava mostrar, de dois espetáculos teatrais que dizia eram pérolas nacionais. Como ele gostou da cidade, venderia as duas pelo preço de uma, pela cordialidade que foi recebido. Os diretores do Teatro e responsáveis de contratar shows daquela casa arregalaram os olhos e não demoraram em firmar um contrato com o Turco, pela pechincha, dois espetáculos pelo preço de um. Arregaçaram as mangas e começaram a divulgar o evento, sem medir esforços, usaram todos os meios disponíveis na época. No dia da apresentação um enorme cartaz mostrava os nomes dos espetáculos: “A dança do Peru” e a “Fuga do Turco”. Caravanas chegavam em charretes luxuosas ou em carrões  charmosos. Percebia-se a expectativa da alta sociedade pelo evento. A portas do teatro Santo Antônio foram abertas e o publico lotou o auditório, os melhores ternos e os melhores vestidos estavam naquele espaço de arte e cultura. Todos com os olhos fixados nas cortinas até que as luzes foram focadas em direção ao palco. Abrem-se as cortinas começa o espetáculo. Aparece ao fundo do palco um fogão a lenha, percebia que a chapa estava quente, quando surge o Turco com o peru embaixo do braço e coloca a ave em cima da chapa, que saltitava, dançando, o Turco abre a porta lateral e saí em passos largos. Todos se olharam sem saber por que a rapidez do rapaz em sair pela porta. Silêncio. Os coronéis mexiam seus dedos nas abas dos chapéus e as senhoras abanavam seus lindos vestidos. Sem murmúrio pouco a pouco foi saindo um a um como nada tivesse acontecido. Aquele momento de silêncio era providencial. A elite guarapuavana foi ultrajada, enganada, caíram na lábia do Turco, este cumpriu o que prometeu, mas o imaginário elitista esperava outra coisa. Este enfoque do passado gera discussões, põem em duvida a memoria individual, será que a fonte é ficcional. O fato é que esta história escafedeu-se, sumiu, fica a dúvida se existiu. Esta relação com o passado nos permitiu aprender a dinâmica de um quadro social, aquela sociedade hierarquizada, onde poucos mandavam e muitos obedeciam foi tapeada por um charlatão. Devemos refletir que na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar com imagens de hoje as experiências do passado. Este ir e vir, nos ensina que não devemos confiar em todas as pessoas e políticos de boa prosa, vendedores de ilusões, nada vem tão fácil, não compre gato por lebre… Fica meu aplauso ao Turco.