Cultura do silêncio: os ecos dos 50 anos da Ditadura no Brasil

Além de ser simbolicamente o dia da mentira, dia 1º. de Abril, no Brasil, traz em si uma revoada de histórias e de uma História que uns tentam esquecer, outros lembram nostalgicamente. O Brasil, logo no início de outono parece, é verdade, esquentar.

Comemora-se (há comemoração pelo quê¿) em todo primeiro de Abril, desde 1964, a consolidação do governo militar na política do país. Uns dão logo o nome de golpe; outros preferem exaltar os riscos das revoluções da época impedidas pelos. Estudantes levantam-se em frases, protestos, seminários e mesas-redondas; a televisão menciona, sempre que pode, um exilado ou outro em forma de resignação; os jornais produzem reportagens, trazem fotos e recortes históricos: parece mesmo que todos têm algo a dizer, coisa contraditória para aqueles tempos de profundos silêncios.

Desligando a tv, fechando livros e jornais e colocando os pés nas ruas de todos os dias, a verdade é que pouco se fala nessa tal Ditadura. Do interior paulista ao interior paranaense, em bairros desses comuns com casas, gente e árvores, em conversas com gente comum feito qualquer um – o escritor, o leitor, a moça que vende pão, o senhor que mora na esquina – a Ditadura parece mesmo coisa de filme, lenda urbana, história em quadrinhos de heróis. Há todo tipo de imaginário, e há também toda tentativa de esquecer, de lembrar, de resgatar, de evitar…São gritos dados por todas as partes, mas os silêncios impostos pelo regime autoritário da época ainda são silêncios, e quem será que está disposto a ouvir?

A Ditadura Militar deu-se há 50 anos oficialmente, mas é sempre bom relembrar que: com um massivo apoio de grande parte da população civil brasileira da época impulsionada pela instauração de uma política econômica fortíssima, que, aliás, é a base de todas as subseqüentes. Por outro lado, a cultura popular brasileira se posicionou: música, arte e política estreitaram suas relações com Chico Buarque de Hollanda, Gilberto Gil, Ferreira Gullar, Glauber Rocha, Caetano Veloso, João Bosco…As Diretas Já venceram, artistas, intelectuais, políticos e movimentos sociais se mobilizaram, assim, cinqüenta anos depois, estamos aqui escrevendo, publicando, expressando, contrariando opiniões e até praticando um certo regime democrático sem que isto seja um crime. No entanto, há muito mais na liberdade que sonha nossa vã filosofia…

As aves se libertam
nunca os homens (Maicoln  Benetti)

A vida de homem brasileiro, em médias estatísticas, é de 60 a 65 anos. E a vida de um golpe implantado por muitos homens?

O simbólico dia da mentira é, para toda a população brasileira, o dia das muitas verdades que ainda precisam ser refletidas, debatidas, lembradas, percebidas e superadas. E não é nem de perto exclusividade do Brasil. Ao todo são 20 os países latino-americanos que tiveram grandes períodos de regime militar. Desse modo, entender uma política implantada há mais de cinquenta anos em todo o território latino americano não precisa necessariamente passar por teorias e teses: basta um olhar mais minucioso para a nossa própria população e todas suas contradições.

Nada a comemorar, nada a lamentar, todavia sempre há muito a debater.

Agosto 1964
Digo adeus à ilusão
mas não ao mundo. Mas não à vida,
meu reduto e meu reino.
Do salário injusto, da punição injusta,
da humilhação, da tortura,
do terror,
retiramos algo e com ele construímos um artefato

um poema
uma bandeira (Ferreira Gullar)

Foto 2: Ilustrador: Juliano Santos Foto editada por: Gustavo Cordeiro.