Porque os universitários estão suscetíveis aos transtornos mentais?

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Segundo pesquisa, 30% dos alunos de graduação em instituições federais no Brasil procuram atendimento psicológico

No meio do caminho, tinha uma crise nervosa. Gastrite corroendo o estômago a ponto de tirar a fome e levar a intensos enjoos, seguidos de vômito. Nessa estrada, prazos curtíssimos se atropelavam com a exigência e o descaso dos mentores. No fim do caminho, tinha um diploma universitário. “Por causa da faculdade, desenvolvi ansiedade e pânico”, declara Ana Batista*, recém-graduada em Relações Internacionais na INPG (Instituto Nacional de Pós-Graduação), em São José dos Campos (SP).

Ana faz parte do número cada vez mais expressivo de estudantes que passam por algum tipo de sofrimento psíquico. Segundo pesquisa divulgada pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) em 2016, 30% dos alunos de graduação em instituições federais no Brasil procuraram atendimento psicológico dois anos antes. E mais de 10% fizeram uso de algum medicamento psiquiátrico.

Algumas universidades brasileiras têm se mobilizado para que as diretorias olhem com mais cuidado para o problema do sofrimento psíquico e dos transtornos mentais de seus estudantes. Em setembro, a Faculdade de Economia e Administração da USP lançou uma campanha chamada “Isso não é normal”, na qual os alunos anonimamente declararam o que sentiam no ambiente universitário. As respostas relatavam ataques de ansiedade, desmotivação, problemas para dormir, depressão e pânico.

Para o psicólogo Pablo Castanho, professor e coordenador da clínica-escola Durval Marcondes do Instituto de Psicologia da USP, esse quadro não é um fenômeno atual. “Essa demanda de sofrimento psíquico dos alunos de graduação e pós tem chamado bastante atenção na USP e no exterior. Mas há mais de 20 anos eu já atendia pacientes com as mesmas questões.”

O que causa a impressão de aumento no número de casos, segundo Castanho, é a abertura que temos para tratar o assunto hoje em dia. Isso porque as pessoas estão mais atentas para perceber mudanças de comportamento. “Na USP, existe um movimento de professores entrando em contato com o Instituto de Psicologia, preocupados sobre como podem perceber que um aluno está mal”, revela o professor.

De acordo com o psicólogo e professor Pablo Castanho há cinco fatores que podem explicar a ocorrência de sofrimento psíquico e transtorno mental nos estudantes universitários:

1. Influência do mercado de trabalho: Para o professor, as universidades estão cada vez mais próximas do mercado de trabalho e as cobranças que existem na atividade profissional chegam à universidade. “Isso vulnerabiliza muito a pessoa”, afirma. Além disso, ocorre uma “competição predatória”, segundo ele a classifica, “inibindo o fairplay”. Os alunos estão o tempo inteiro em competição por bolsas de estudos, vagas de estágio, liderança nas empresas júnior e intercâmbio, por exemplo.

2. A desarticulação do coletivo: Ao contrário do que se costuma pensar, a pressão da universidade não é a única causa do sofrimento. “Por pior que sejam a pressão pelo resultado, as críticas e ataques aos alunos, e a exposição de estudantes que vão mal, existem estratégias de lidar com isso. O grande problema é a desarticulação dos coletivos.”

3. Crise do modelo de vida: O sofrimento psíquico pode estar associado a uma crise do modelo de vida que muitos estudantes levam até chegar a universidades. “Principalmente os que passam em vestibulares concorridos dedicaram boa parte de suas vidas ao estudo para a prova. Depois que eles passam, não sabem se realmente valeu a pena”, explica Pablo Castanho.

4. Perda de referências: Quando se muda de cidade para cursar a graduação, o universitário passa por uma série de mudanças que demandam “rearranjos psíquicos”. Segundo o psicólogo, quando se sai do grupo em que cresceu, perdem-se referências.

5. Falta de significado: Para o psicólogo, o sofrimento é inerente a um intenso período de estudos, como da universidade, mas é preciso tomar cuidado para que esse incômodo não se torne um adoecimento psíquico. Para isso, é preciso um contraponto, que pode ser encontrado no significado que a carreira tem para o estudante.

Com informações do Huff Post Brasil.