Ministério Público do Paraná é contrário à PEC 241/PEC 55

O Senado Federal deverá submeter a votação, nos próximos dias, a Proposta de Emenda à Constituição nº 55/2016 (já aprovada na Câmara dos Deputados como PEC 241). Tal proposta, que objetiva instituir um Novo Regime Fiscal no país, congelará por 20 anos as despesas primárias do Estado, em áreas como Educação, Saúde e Segurança, entre outras.

Diante da extrema gravidade da proposta e das sérias consequências que dela advirão, o Ministério Público do Paraná, em cumprimento à sua missão de defensor do regime democrático e dos direitos fundamentais da sociedade, manifesta repúdio à citada PEC, alertando a sociedade que tal iniciativa, que limita, de maneira drástica, o orçamento dos setores que compõem os direitos fundamentais dos cidadãos, implicará profundo retrocesso ao país, desfigurando o modelo de estado social e democrático de direito preconizado pela Constituição Cidadã de 1988.

Nesse sentido, espera-se que o Senado da República, atendendo ao compromisso soberanamente firmado na Constituição Federal de 1988, repudie a referida proposta, estabelecendo amplo e democrático debate envolvendo todos os segmentos da sociedade civil, na busca de soluções que, em âmbito próprio (infraconstitucional), não sacrifiquem somente a parcela mais vulnerável da população.

Confira, abaixo, as principais razões pelas quais o Ministério Público do Paraná é contrário à PEC 55 (PEC 241):

Retrocesso – A Proposta de Emenda Constitucional 55 (PEC 241), em dissonância com o interesse público, impede, nos próximos 20 anos, qualquer aumento real de investimento nas áreas destinadas ao suporte de direitos fundamentais como Saúde, Educação, Assistência Social e Segurança Pública, entre outras que contemplam necessidades básicas da população brasileira. Ou seja, haverá, por duas décadas consecutivas, um permanente processo de desfinanciamento de ações e serviços públicos, já precários, em prejuízo de direitos fundamentais dos cidadãos, sobretudo das parcelas mais vulneráveis, com o consequente agravamento da desigualdade social e da miséria no país.

Saúde – A proposta terá impactos desastrosos no financiamento e na garantia do direito à saúde. Se, atualmente, os investimentos já se mostram insuficientes para atendimento à saúde da população, o congelamento desses recursos por 20 anos levará ao absoluto colapso do sistema de saúde. Nos termos da PEC, a despesa da União no ano de 2036 será a mesma do mínimo constitucional estabelecido para 2016, em termos reais. Ou seja, a proposta não considera, a par dos já precários recursos, o crescimento e o envelhecimento da população, a migração de usuários dos planos privados para o SUS, o surgimento de novas doenças, que demandam avanços tecnológicos, o aumento de diagnósticos de patologias graves, além dos problemas já enfrentados (como epidemias de dengue, chikungunya, zika vírus etc.). Conforme advertem o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) e o Conselho Nacional de Secretarias Estaduais de Saúde (Conass), com a redução de gastos, há risco real e comprovado de mais mortes, surtos de infecções, retorno de doenças erradicadas, agravando o quadro sanitário nacional.

Educação – O congelamento de gastos na área da educação inviabilizará o cumprimento de diretrizes, metas e estratégias estabelecidas no Plano Nacional de Educação, como a universalização da educação infantil, do ensino fundamental de nove anos e do ensino médio, o oferecimento de educação integral por 50% das escolas públicas e a elevação da taxa de alfabetização dos adultos. Além disso, sem investimentos permanentes em educação, ciência, pesquisa, tecnologia e inovação, a nação estará fadada ao atraso e à dependência intelectual, restando comprometido o desenvolvimento econômico e social do país.

Assistência Social – A limitação de investimentos em áreas fundamentais produz reflexos também no âmbito da assistência social, na medida em que as restrições ao financiamento de políticas essenciais, diretamente ligadas à vida e à dignidade das pessoas, impactará de forma irremediável as redes protetivas destinadas a atender a população mais fragilizada pela pobreza. Nessa perspectiva, a proposta impõe retrocesso social em campo essencial dos direitos fundamentais, prejudicando a parcela mais sofrida da população.

Afronta à Constituição de 1988 – A Constituição Federal, também conhecida como Constituição Cidadã, fez escolhas inequívocas, como os direitos e garantias fundamentais e os direitos sociais, destinados a dar concretude à dignidade da pessoa humana. Entre esses direitos, estão a saúde e a educação. Inibir investimentos reais nessas duas áreas, com reflexos também no âmbito da assistência social, implica subverter a vontade da Constituinte de 1988, voltada à satisfação dos direitos fundamentais. Resulta em desfigurar o modelo de estado social e democrático de direito preconizado pela Constituição Federal.

Desrespeito ao Poder Constituinte – Considerando que a questão fiscal (gastos públicos) tem caráter apenas instrumental, destinado à concretização dos valores mais elevados consagrados pela Constituição Federal (como a dignidade humana), qualquer reversão nesse sentido implicaria a necessidade de amplo e democrático debate, envolvendo toda a sociedade. Portanto, somente seria juridicamente possível por nova manifestação do Poder Constituinte originário, e não resultando de proposta de emenda constitucional, diante de sua própria natureza, sabidamente condicionada e limitada.

Matéria infraconstitucional – A ponderação sobre o que deve ser preservado e o que pode ser contingenciado em peças orçamentárias (LDO, LO e PPA) precisa ser tratada em âmbito próprio, que não a Constituição Federal. Aliás, nas constituições de diferentes países, não se adotam regras para gastos públicos no âmbito da Constituição, posto tratar-se de matéria nitidamente infraconstitucional.

Necessário equilíbrio – Outrossim, a questão, em âmbito infraconstitucional, exige amplo e democrático debate, ouvidos os segmentos da sociedade civil, na busca do melhor equilíbrio entre os sacrifícios que se pretende exigir e os benefícios que serão contemplados. Mister, nesse sentido, que sejam considerados não apenas os gastos primários, como também os benefícios concedidos, a exemplo de desonerações fiscais.

Portanto, e sem prejuízo de outros aspectos que também poderiam ser abordados, como os serviços prestados pelo Ministério Público, Defensoria Pública, Polícias etc. (com reflexos imediatos na área de segurança pública e no combate à corrupção e à impunidade), o Ministério Público do Paraná manifesta sua contrariedade à citada Proposta de Emenda Constitucional, esperando que o Senado da República venha a repudiá-la.

O MP-PR espera também, em homenagem aos princípios democráticos que inspiram o país, que seja promovido amplo e democrático debate sobre a matéria, com todos os segmentos da sociedade civil, em busca, assim, e na seara própria (infraconstitucional), de soluções que não sacrifiquem somente a parcela mais empobrecida de brasileiros. Dessa forma estaremos, todos, respeitando o compromisso axiológico firmado soberanamente na Constituição Federal de 1988.

Leia abaixo a Nota Pública expedida pelo MP-PR, cujo teor está sendo também encaminhado aos representantes do Senado Federal, no Paraná:

NOTA OFICIAL

O Ministério Público do Estado do Paraná, em cumprimento à sua missão de defensor do regime democrático e dos direitos fundamentais da sociedade, manifesta contrariedade à proposta de emenda constitucional em trâmite no Senado Federal (PEC 55/2016), já aprovada na Câmara de Deputados (PEC 241/2016). A medida, de extrema gravidade, pretende congelar, por 20 anos, os investimentos públicos nas áreas da Educação, Saúde, Assistência Social e Segurança, dentre outras, traduzindo sério retrocesso em relação ao texto constitucional, por comprometer os avanços conquistados nos últimos 28 anos e impedir a concretização da cidadania em sua plenitude.

Ainda que se reconheça a necessidade de adoção de medidas tendentes a racionalizar os gastos públicos, compatibilizando-os às receitas obtidas pela arrecadação de impostos, não se pode chegar ao ponto de se afastar a garantia dos direitos assegurados pela Constituição Federal e que dependem de recursos financeiros para sua implementação, através dos investimentos em políticas públicas, ainda mais diante da severa crise econômica, na qual justamente a parcela mais vulnerável da população necessita do amparo estatal. Os limites previstos na PEC, vinculados à mera correção monetária dos valores atualmente despendidos, não consideram fatores determinantes para a definição dos recursos a serem destinados aos serviços públicos, como o crescimento e o envelhecimento da população, bem como o agravamento das situações de precariedade econômica e risco social.

Atualmente, os gastos com as políticas sociais já se mostram insuficientes para atendimento à população. Proibir a ampliação desses recursos por vinte anos certamente determinará o colapso, em curto espaço de tempo, dos sistemas de saúde, educação, assistência e previdência social, segurança, dentre outros. Além de se consolidar a precariedade atual, em que são evidentes a escassez de vagas e a baixa qualidade nos serviços públicos, não se terá como atender aos justos reclamos da sociedade por melhorias imediatas e garantir a universalidade na cobertura.

A Constituição Federal fez escolhas inequívocas, em favor dos direitos fundamentais e sociais, destinados a dar concretude ao princípio da dignidade humana. Assim, qualquer tentativa de reversão desta expectativa importa na necessidade de amplo e democrático debate, envolvendo toda a sociedade, mediante nova manifestação do poder constituinte originário, e nunca como resultado de mera proposta de emenda constitucional, sabidamente condicionada e limitada.

Na verdade, a ponderação entre o que deve ser preservado e o que pode ser contingenciado em peças orçamentárias (LDO, LO e PPA) precisa ser levada a efeito em âmbito próprio, que é a legislação complementar, sendo descabida a sua intromissão no texto constitucional. Aliás, nas constituições de diferentes países não se adotam regras para gastos, posto que se trata de matéria nitidamente infraconstitucional, que depende, no tempo devido e em debate democrático nas casas legislativas, da busca do melhor equilíbrio entre os sacrifícios que se pretende exigir e os benefícios que irão ser contemplados.

Considera-se, portanto, que a aprovação da PEC 241/PEC 55 afronta as conquistas civilizatórias estabelecidas na Constituição da República.

Com: MP-PR